Iniciou a carreira como Milano, mas “caiu nas malhas da lei” italiana e viu a designação alterada para Junior. Independentemente disso, o modelo assinala o regresso do fabricante ao segmento B, com duas versões 100% elétricas e uma com tecnologia híbrida. Alejandro Mesonero-Romanos, diretor de Design da Alfa Romeo, explicou a E-AUTO os argumentos de automóvel que tem tudo para ser um “modelo de conquista” de novos clientes.
Quando foi revelado, este Alfa Romeo brandiu, orgulhosamente, a designação Milano, mas rapidamente a política se intrometeu no caminho. Evocando a lei de defesa das denominações associadas à herança italiana, o ministro italiano Adolfo Urso veio a terreiro criticar a decisão da Alfa Romeo de produzir o automóvel na fábrica da Stellantis em Tychy, na Polónia. A solução passou pela mudança de nome para Junior – o segundo mais votado numa sondagem realizada pelo construtor.
Em evento na cidade de Turim, onde se situa o Centro Stile da Stellantis, pudemos observar de perto o novo Junior e perceber como este é um modelo de conquista num segmento no qual a Alfa Romeo não competia desde o fim da produção do MiTo, em 2019.
Desde então, mudou o tipo de cliente do segmento, mas também o conjunto tecnológico de eleição para os construtores. Por um lado, vingam, cada vez mais, os modelos de estilo Sport Utility Vehicle (SUV), enquanto, por outro, a eletrificação acelerou. Por esse mesmo motivo, o novo Junior teve de reunir alguns conceitos mais típicos de um SUV – embora a marca prefira não colar esse rótulo ao modelo – e apostar em motorizações eletrificadas.
Para Alejandro Mesonero, diretor de Design da Alfa Romeo, “infelizmente, após o fim do MiTo, a marca deixou um espaço vazio na gama"
Por isso, tivemos de recomeçar, digamos assim, o trabalho de conquistar clientes que nos abandonaram. Quer dizer, agora provavelmente não compram a mesma coisa porque são condutores mais velhos e estão a comprar outra coisa qualquer. Criámos um carro para um cliente da Alfa Romeo que não está lá fora.
É um carro para conquistar novos clientes, pessoas que provavelmente nunca pensaram em comprar um Alfa Romeo. Tenho amigos e até mesmo familiares que não se enquadravam na família de modelos que tínhamos – era o Giulia, o Stelvio, o Tonale e só isso. Eram de segmentos superiores e mais dispendiosos. Ou seja, para eles, era algo que existia, mas que era pouco acessível. Agora podem ter um carro acessível e eu diria que é uma proposta moderna para um Alfa Romeo”.
Uma gama de uma só vez
Pensar um modelo como o Junior e os demais novos Alfa Romeo é, também de acordo com Mesonero-Romanos, um trabalho de adaptação a um novo ambiente na indústria automóvel, bastante diferente do de outras épocas.
“Temos de dar a nossa própria interpretação, ver onde estamos e a situação do mercado! A Alfa Romeo de 2024 não é a mesma de 1970. Os clientes, o mercado, mudou tudo!"
Com o Junior, os clientes voltam a ter uma proposta que é muito competitiva e válida. Podem ir a algo extremamente bem feito, mas muito racional e frio, como um Volvo EX30, mas depois têm o outro extremo e foi isso que pedi aos "designers", vamos posicionar a Alfa Romeo no outro extremo. Não podemos ficar no meio”, refere.
Recordando que o Junior fez parte de “um desafio que foi criar quatro carros de imediato assim que chegámos aqui com a nova equipa, em 2021 [nota: data da fundação da Stellantis, após a fusão de FCA e PSA], agora esta primeira fase está terminada, com o lançamento do Junior, do 33 Stradale e dos novos Giulia e Stelvio”.
Quanto a estes novos modelos, o responsável pelo desenho já deixou no ar algumas informações sobre as linhas dos mesmos. “Normalmente, aquilo que fazemos quando desenhamos uma gama é imaginar o futuro e os carros de 2030 ou 2035 e, depois, voltar ao presente e começar a implementar essa estratégia para chegar a esse objetivo. Mas quando aqui chegámos em 2021 não foi fácil fazer essa projeção para o futuro, porque tivemos de começar a trabalhar imediatamente. Mas conseguimos fazê-lo. Estou muito satisfeito com os resultados alcançados pela equipa porque o Junior é o primeiro degrau desta escada. É um carro que é muito específico para clientes que, honestamente, sabem pouco sobre a marca ou não estão lá. É um modelo de conquista. É diferente quando se faz um Giulia ou um Stelvio. Conseguimos fazer belíssimos novos Stelvio e Giulia. Estou extremamente satisfeito com o Stelvio. É extremamente desportivo, muito simples. E o Giulia será um fastback coupé, mais desportivo. Estão concluídos e agora temos de começar a desenhar os próximos quatro uma vez que tudo está mais sólido”.
Desmistificar as plataformas
Para muitos entusiastas da Alfa Romeo, uma das principais críticas ao novo Junior é o facto de o modelo ter uma plataforma da Stellantis partilhada com outros modelos do grupo, como o Peugeot 2008, Opel Mokka ou Jeep Avenger. No entanto, para Mesonero-Romanos, o tema das plataformas é “um falso problema”, mostrando-se bastante satisfeito pelo facto de existirem competências técnicas avançadas nessa mesma abordagem às plataformas que permitem à Alfa oferecer novos modelos para mais clientes.
"Para ser sincero, a partilha de plataformas não representa obstáculo à criação de automóveis diferenciados. É um falso problema"
Trabalho nesta indústria há 30 anos e nunca na minha vida fiz um carro que não partilhasse plataforma com outro carro. Nunca. Por isso, é um falso problema. Não é o problema real dos carros, porque as plataformas são apenas os esqueletos. Tem alguma importância quando se fala de um carro como o Giulia e se a plataforma é de tração dianteira ou traseira, então aí sim é um problema”, aponta o espanhol, que já tem no percurso longas passagens por grupos como o Volkswagen ou o Renault.
“De qualquer forma, a definição de um carro advém da sua arquitetura mecânica e das suas dimensões. Para um designer, posso dizer muito honestamente que isso não me interessa desde que o carro se conduza e vão ver que o carro é fantástico de conduzir. Já o conduzi em Balocco [nota: pista de testes da Stellantis em Itália] e é impressionante o que fizeram com direção, suspensão e travões. Acho que a questão da plataforma é mesmo um falso problema. Penso que temos de sair um pouco da nossa bolha de peritos em carros e explicar aos clientes que isto não tem qualquer impacto. É algo que está a ser levantado por pessoas que pensam que a Alfa Romeo deveria ter uma plataforma específica, mas que não vivem no mundo real. Porque se fizerem uma plataforma específica para um carro, o preço desse carro será imenso. Temos de educar as pessoas e mostrar-lhes, talvez com exemplos, que este debate é absolutamente falso e levantado por pessoas que não percebem a indústria ou que querem fazer alarido político. Isto permite-me dizer que é uma treta, porque, graças a Deus que temos a Stellantis, que tem conseguido manter todas estas marcas vivas e que, caso contrário, provavelmente, estariam mortas”.
Ainda assim, para alguns casos específicos, como o do novo Giulia, Mesonero-Romanos explica que pode pedir alterações que sirvam os propósitos do veículo (“é algum investimento, mas é justificado pelo apelo do carro”, mas que no caso do Junior tal não foi necessário. “Quando vi o pacote, pensei “uau, fantástico”. Posso fazer um carro compacto com jantes de 20 polegadas, que foi algo que nunca consegui. Era um pacote que pedi muito ao Grupo Volkswagen, este tipo de plataforma, mas que nunca fizeram. Por isso, estou extremamente satisfeito”, admite.
“Temos um passado incrível, muitas pessoas recordam modelos históricos como o Giulia, o Spider, o Alfetta ou o 33 Stradale. Percebo-as bem. Mas também têm de perceber que estamos em 2024 e precisamos de construir, ou reconstruir a marca, recorrendo a produtos que satisfaçam todos os gostos"
Ou seja, penso que o mercado está aberto. O que é importante é ter bons carros. Depois, não posso pedir a alguém que conduza agora um Quadrifoglio que adore o Milano porque é um carro compacto e elétrico. Certo. Mas, precisamos disto para outros clientes. Não podemos viver com as 20.000 vendas de hoje. Temos de fechar as portas ou pedir subsídios ao governo, que não vai dá-los”, complementou.
A ameaça chinesa
Incontornável, a chegada de cada vez mais construtores chineses ao mercado europeu também é observada por Alejandro Mesonero-Romanos como uma “chamada de despertar para os europeus”, atendendo a tudo o que os novos “players” trazem tecnologia, estilo e preços moderados.
“Os europeus deveriam estar um pouco mais atentos a esta guerra geopolítica com os chineses, porque, no final de contas, eles estão a conquistar os mercados e a indústria automóvel é muito valorizada, muito prezada na Europa. Assim, em vez de estarmos preocupados se a plataforma é Stellantis, deveríamos estar a olhar para o cenário maior e ver exatamente como é que a indústria europeia vai responder a esta nova situação após 50 anos de domínio. Qual é a reação ao novo domínio de uma cultura que agora detém o conhecimento, que adquiriu os engenheiros do Ocidente e que têm a cadeia de fornecimento e de materiais”, adianta, ao mesmo tempo que mostra apoio à posição de Carlos Tavares, diretor do grupo, de que a indústria automóvel europeia tem de focar-se nas questões essenciais.
“Não deveríamos estar tão preocupados se o carro é feito em Itália ou a 1000 km, noutra fábrica na Europa. Os chineses estão a rir-se de nós. Eles estão a olhar para isto e a rir-se. São muito mais pragmáticos do que nós. Estão a ficar com bons 'designers', bons engenheiros… e veem-nos a lutar por temas como as plataformas”.
O talento de Mesonero-Romanos também não passa despercebido aos "radares" dos fabricantes chineses, reconhece o próprio "designer"
“Posso dizer-vos que sou um dos designers europeus de maior visibilidade, digamos assim. Somos sempre muito requisitados pelos chineses, mas recuso a ideia por gostar de trabalhar para uma marca e para um projeto em que acredito e na qual posso investir o meu esforço. Ok, eu sei as condições e o que os chineses pagam, mas serão essas condições uma liberdade? Eu preciso de uma marca. Tenho uma vida boa em Itália, um trabalho bom e estou a construir algo. Aquilo que se vê aqui é só a ponta do icebergue. Existem muitas outras coisas a acontecer!.
O Junior é proposto em versões elétricas (156 cv e 240 cv) e “mild-hybrid” (136 cv). A Alfa Romeo conta tê-lonos concessionários europeus durante o outono.
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