O Ford Capri fez história durante a década de 1970, chegando a ser considerado o Mustang europeu. Após 38 anos, o automóvel regressa ao catálogo da marca da oval azul sob a fórmula de SUV elétrico. Já o testámos em estradas francesas para descobrirmos se mantém algum do ADN original.
A geração SUV elétrica do Ford Capri usa a plataforma MEB de origem Volkswagen, a mesma da família ID da marca alemã ou do “gémeo” Explorer. É o resultado de colaboração entre os fabricantes, que também inclui os comerciais e as “pick-up’s”. No caminho para a eletrificação total, é provável que aconteçam outras partilhas deste tipo nos próximos anos, pois é a única forma de reduzir os preços e acelerar a democratização da tecnologia que ainda está na linha do horizonte de muitos condutores, devido aos custos e às limitações que tem associados, por obrigar à disponibilidade a infraestruturas domésticas e públicas para recarga das baterias.
Em vez de lançar um Explorer Coupé, a Ford desenvolveu modelo à medida.
O Capri partilha muito também com o Explorer elétrico, com o primeiro representar a variante SUV-Coupé do segundo. Contudo, ao contrário de outras marcas, que fazem derivações muito próximas umas das outras, em vez de lançar um Explorer Coupé, a Ford desenvolveu modelo à medida. No entanto, a utilização do nome do “coupé” de quatro lugares introduzido na Europa em 1968 impunha a recuperação de alguns dos traços diferenciadores da imagem do Mustang europeu. Não se trata de um desenho nostálgico “colado” ao original, mas de evocação que se percebe melhor nos detalhes do que nas proporções.
O Capri, agora, é um SUV do segmento C relativamente alto, com pneus 235/50 R20 à frente e 255/45 R20 atrás que contribuem para esse efeito. No perfil, destaca-se a inclinação dos vidros e o formato em meia-lua do terceiro vidro lateral, reminiscente do Capri original. No desenho, os faróis retangulares unidos pela grelha preta recordam-nos a primeira geração do modelo e, na parte de trás, também nas luzes, percebe-se de onde vem a inspiração. No geral, o trabalho de estilo resultou bem (prova-o, por exemplo, o Cx de 0,26), tendo em conta que este modelo é totalmente diferente do que a Ford deixou de produzir em 1986 (1,9 milhões de unidades!).
Quem conviveu com o original, diz que o novo Capri “não é um verdadeiro Capri”, segundo os estudos de marketing da Ford, mas os condutores mais novos não têm esse condicionamento.
A mesma base do Explorer
Quanto à parte mecânica e elétrica, as diferenças para o Explorer são poucas. Os dois modelos são fabricados em Colónia, Alemanha, onde a Ford investiu cerca de 2 mil milhões de euros. E, de acordo com a marca, no mesmo sítio, produzir-se-ão mais modelos sobre a mesma base. De momento, desconhecem-se quaisquer detalhes. O Capri tem a mesma distância entre eixos do Explorer, mas o comprimento é 136 mm maior, atingindo os 4,634 m.
Duas motorizações propostas
Falando de motorizações, a Ford, no lançamento do modelo, propõe duas opções. A primeira é este Single Motor RWD, que tem uma bateria com 77 kWh de capacidade útil, tem 286 cv, 545 Nm, tração traseira e até 627 km de autonomia. Num carregador rápido, com potência até 135 kW, o armazenamento de energia no acumulador aumenta de 10% para 80% apenas em 0h28. O arranque 0-100 km/h anunciado é de 6,4 segundos e a velocidade máxima de 180 km/h.
A segunda opção é o Twin Motor AWD. Tem bateria com 79 kWh de capacidade útil, 340 cv, 545 Nm, um motor por eixo, tração às quatro rodas e autonomia de até 592 km. Carrega a bateria à potência máxima de 180 kW, demorando tão-somente 26 minutos a completar um “reabastecimento” de 10% para 80%. A aceleração 0-100 km/h anunciada é de 5,3 segundos e a velocidade máxima mantém-se limitada a 180 km/h. A versão menos potente pesa 2098 kg e a mais atinge os 2174 kg.
Tal como o Explorer, o Capri estará disponível com dois níveis de equipamento, o normal e o Premium, ambos muito recheados de items de conetividade, conforto e ajudas eletrónicas à condução, entre outros.
Habitáculo muda pouco
Neste primeiro contacto dinâmico, ficou evidente que a Ford poupou nos custos de produção. Volante, painel de bordo e até o monitor central deslizante são idênticos aos do Explorer. Os bancos têm apoios de cabeça integrados e apoio lateral razoável. O espaço em comprimento atrás surpreende pela generosidade, o piso não é alto e há lugar para os pés sob os bancos da frente. O banco de trás foi pensado para dois passageiros, não para três. Contudo, o tejadilho plano não penaliza o acesso, nem o perfil “fastback” da tampa da mala, que reduz só a altura disponível para cargas mais altas. Ainda assim, anuncia-se 570 litros de capacidade, “contra” os 470 litros disponíveis no Explorer. A consola para arrumações entre os bancos dianteiros tem 17 litros de capacidade e existem outros compartimentos no interior, mas não há um “frunk” sob o “capot”.
O sistema multimédia é relativamente fácil de usar, por ter botões táteis grandes, um pouco ao estilo do que acontece no Mustang Mach-E, se bem que a distribuição dos comandos pelas páginas não é 100% lógica. Os comandos da climatização estão sempre presentes como botões táteis na base do monitor central de 14,6”. A função deslizante do ecrã colocado na vertical evita os reflexos da luz solar e permite criar um espaço porta-objetos, que fica escondido atrás do monitor e bloqueado sempre que trancamos as portas.
O painel de instrumentos é pequeno, mas tem a informação essencial e lê-se facilmente.
A alavanca rotativa da transmissão é uma haste à direita do volante, obrigando todas as outras funções a ficarem concentradas na haste do lado esquerdo, o que torna o uso menos intuitivo. No topo do “tablier”, coluna de som horizontal, como é moda nalguns da Ford. Em termos de qualidade, o Capri segue o Explorer, com uma mistura de materiais muito pouco homogénea, juntando plásticos duros e macios de uma forma nem sempre lógica.
Experiência na estrada
Este teste incidiu na versão Single Motor RWD de 286 cv, a intermédia, esperando-se para mais tarde uma com 170 cv, a propor por 48.378 €. O modelo conduzido em estradas no sul de França custa 55.543 €, mais 2500 € do que o Explorer equivalente.
O condutor pode escolher entre quatro modos de condução através de um atalho no topo do monitor (Eco/Normal/Sport/Individual). Ajustam o habitual: resposta do acelerador, assistência da direção e funcionamento dos auxiliares. A suspensão é independente às quatro rodas e os amortecedores são passivos, mas sensíveis às frequências dos pisos.
Em modo Eco, a resposta do motor até ao ressalto do acelerador é mais do que suficiente para cidade e estrada. A aceleração é vigorosa, embora nada brusca, e a tração traseira não tem problemas em colocar a potência no chão. No programa Normal, ganha-se um pouco mais de consistência na assistência da direção, que tem um diâmetro de viragem muito curto, de 9,7 metros, o que facilita as manobras. Só há dois níveis de regeneração, um normal (suave) e um “B” acionado na alavanca da transmissão, que é um pouco mais intenso. Seria bom ter patilhas no volante e maior número de níveis, o que acrescentaria mais controlo à condução. Os retrovisores ancorados no ângulo das portas e a maior inclinação dos pilares dianteiros, comparativamente ao que acontece no Explorer, dificultam a visibilidade.
Em autoestrada, o Capri revelou-se silencioso, suave a debitar potência e com uma suspensão tolerante aos pisos ondulantes, apesar de reagir com algumas oscilações típicas de um SUV pesado. Em estradas secundárias e com algumas curvas exigentes, a suspensão mostra o habitual na Ford: é possível ter conforto, mesmo montando pneus de medida larga e, ao mesmo tempo, apresentar uma dinâmica precisa e divertida. A marca não fez do Capri um desportivo (o original também não era!), mas existem diferenças para o Explorer, como a suspensão 6 mm mais baixa, o que levou a montar molas mais curtas, amortecedores diferentes, direção menos assistida e controlo de tração com outra calibração. Há alguma inclinação lateral em curva e oscilações nos pisos irregulares, mas o controlo é muito bom, a direção rápida e a frente resiste muito bem à subviragem. São diferenças grandes para o ID.4 ou o ID.5, apesar de as modificações feitas pela Ford serem, sobretudo, de calibração e escolha de componentes.
Cabe aqui criticar o volante “quadrado”, grande e muito pouco ergonómico, com botões hápticos em que se toca sem querer nas manobras. No entanto, os ajustes amplos permitem uma boa posição de condução, não muito alta, e uma assistência melhor do que no Explorer. A diversão aumenta quando se passa ao modo Sport, não só pelo aumento de binário disponível no primeiro terço do acelerador, mas por podermos desfrutar da sobreviragem na saída das curvas feitas com mais empenho. Nada que assuste um condutor menos experiente, mas capaz de fazer rodar o Capri apenas com a força aplicada às rodas traseiras. O controlo de estabilidade do Capri é mais permissivo que o do Explorer, tanto na desaceleração brusca em curva, deixando colocar a traseira, como em aceleração, fazendo-a sobrevirar um pouco. Elogios para a progressividade dos travões (cidade e estrada).
A Ford conseguiu fazer uma versão diferente do Explorer
A Ford conseguiu fazer uma versão diferente do Explorer para dar resposta a quem prefere um SUV com linhas de “coupé”, acrescentando-lhe o bónus de recuperar nome com história. Optou por um estilo não demasiado “colado” ao original, restando-nos apenas saber se essa decisão foi acertada ou pouco corajosa.
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