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Carlos Tavares: elétricos não são solução para todos

Grande crítico das regulamentações que decretam a mobilidade elétrica como solução única para o futuro europeu, o diretor da Stellantis reafirmou que “uma solução pode não servir em todos os lados”. E demonstrou esperança em muitos progressos nas baterias



Carlos Tavares, o português à frente do consórcio industrial Stellantis, está entre os líderes da indústria automóvel mais críticos da decisão europeia de concentrar-se só na mobilidade elétrica e, agora, voltou a "agitar a bandeira" de que é preciso olhar-se para a mobilidade de forma mais holística (leia-se global).

 

Na mais recente edição do Fórum Freedom of Mobility, iniciativa organizada pela Stellantis, e que contou com figuras de outras áreas da sociedade, incluindo académicos e ativistas climáticos, para um debate muito animado, Carlos Tavares enfatizou a ideia, uma vez mais, de que os dogmatismos em relação à eletrificação estão errados.


“Devemos fugir do pensamento dogmático de que uma solução serve para todos. Acho que não vai funcionar. O que gostaria de dizer é que os veículos elétricos podem ser uma solução para algumas sociedades, mas precisamos de progressos na química das baterias para melhorarmos os níveis de eficiência”, disse no início da intervenção. Na próxima década, de acordo com o mesmo quadro, também será possível “reduzir o peso em 50% e a utilização de materiais raros”. Esse passo em frente na química das baterias deverá resolver o problema da escassez do lítio, um ponto importante na indústria das baterias para automóveis elétricos.



Adicionalmente, refletiu sobre o aumento da pressão sobre a rede energética que o maior volume de veículos elétricos trará para a sociedade e a necessidade de acelerar o investimento numa rede de carregamento mais fácil de utilizar e visível.

 

“As pessoas não querem impactar o conforto, temos de encontrar tecnologias e soluções que não impactem o conforto”, argumentou, em alusão à infraestrutura de carregamento para veículos elétricos, para a qual “é necessário um grande investimento. É um grande desafio, a juntar à necessidade de reduzir o peso das baterias”.

 

Biocombustíveis entre as alternativas 

Adicionalmente, atendendo ao sucesso que tem vindo a ser obtido no Brasil com os biocombustíveis, nomeadamente com o etanol, Carlos Tavares considera que este tipo de combustíveis têm de ser vistos como alternativas para outros mercados onde a eletrificação não está a evoluir como na Europa ou na América do Norte. Recorde-se que, recentemente, a Stellantis anunciou um investimento multimilionário no Brasil para o desenvolvimento de soluções eletrificadas focadas no mercado local e nos biocombustíveis.



“Temos 1,3 mil milhões de carros nas estradas e estamos só a falar dos automóveis novos, que são em número muito inferior”, avançou, lembrando que esta seria uma forma de promover uma redução das emissões poluentes sem impactar o bem-estar da população. “O biocombustível, como o etanol, é uma solução muito interessante, mas temos de garantir que esse desenvolvimento não se vai opor à produção alimentar e à agricultura, por também precisarmos disso. O mundo precisa dessa produção alimentar e isso não pode ser colocado em causa”.

 

Quanto ao hidrogénio, o responsável máximo da Stellantis, diz que a premissa é a mesma da eletrificação, ou seja, precisa-se de “energia verde para que produzir hidrogénio verde, gastando-se muita energia para fazê-lo. É claro que é mais funcional, já que permite maior autonomia e menor tempo de abastecimento, mas tem, ainda, o problema do custo. Estamos muito longe de uma tecnologia convencional. Neste momento, a acessibilidade será um imenso travão à mobilidade a hidrogénio, mas talvez para as grandes frotas possa ser uma solução. A conveniência é melhor, mas o custo é imenso. Certamente, não uma solução para os cidadãos comuns”, afiançou.


Citroën Ami

Noutro ponto, indicando a vontade de criar “utensílios de mobilidade diferentes de como os carros são criados”, Carlos Tavares deu os exemplos dos quadriciclos do grupo, os Citroën Ami, Fiat Topolino e Opel Rocks, para mostrar os esforços da sua companhia na oferta de soluções de transporte com menor impacto ambiental e mais acessíveis a uma grande faixa da população.

 

“A outra forma de garantir essa acessibilidade na mobilidade é utilizando tecnologias que já foram sendo melhoradas e que são mais limpas, como o etanol. Estamos a lutar, quanto indústria, para tornar a eletromobilidade mais acessível. Atualmente, é cerca de 40% mais cara. Mas estamos a lutar para torná-la acessível à classe média. Já o dizemos há algum tempo: a tecnologia elétrica está a ir no sentido contrário em termos de acessibilidade”.



Especialistas dividem-se 

Um dos especialistas presentes neste debate, Roberto Schaeffer, professor de Energia e Economia na Universidade do Rio de Janeiro (vencedor do Nobel da Paz de 2007 pelo seu contributo para o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) foi ao encontro de muitas das posições de Tavares, nomeadamente no que respeita à opinião de que “a mobilidade elétrica pode não ser a melhor solução”.

 

“Não é verdade que a mobilidade elétrica é a melhor solução. Muito estudos não corroboram esta solução única. O mundo é muito maior do que o Norte global. Cerca de 800 milhões de pessoas hoje não têm acesso à eletricidade de forma fácil, pelo que como é que é possível dizer que a eletricidade é a solução para a mobilidade?”, argumentou, antes de recordar que “não existe uma solução para todos”.


“Para alguns locais, a mobilidade não motorizada pode ser a solução ou os transportes públicos podem ser a solução. Para locais como a América do Sul ou África, os biocombustíveis podem ser melhores do que a mobilidade elétrica, já que podem ser utilizados nos automóveis atuais sem mudanças”, acrescentou, sendo também da opinião de que o hidrogénio “não é uma boa solução em termos de eficiência energética para os automóveis”.



Posição diametralmente oposta foi aquela revelada por Matthias Schmelzer (historiador, teórico social e ativista climático na Alemanha, para quem é necessário que a sociedade repense as suas necessidades e a sua dependência do automóvel, dizendo que “é preciso parar de produzir tantos automóveis”, mesmo no caso de serem elétricos.

 

Salientando o efeito positivo dos transportes públicos, o alemão aponta que “funcionam bastante bem em muitos locais do mundo, mas noutros foram “minados” pelos esforços da indústria automóvel que tentou desmontar os transportes públicos para que se passasse a utilizar apenas e só o automóvel, dando força ao negócio de milhões que se mantém até hoje”.

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